Santa Scorese: Egidio Ridolfo s.j. |
Uma busca apaixonada
Santa Scorese, uma jovem como tantas outras que nos dias de hoje se empenham nos movimentos católicos, mas com uma ânsia de busca da “Verdade” não comum, a verdade sobre as “razões da nossa fé” mas também a verdade “sobre si mesma”, ânsia de uma procura que se tornava mais forte gradativamente, à medida que compreendia ser um objeto de uma particular atenção -“vocação”- por parte de Deus.
Esta percepção, como em tantos exemplos de Santos, mas também de tantas pessoas que iniciam a “descobrir” a presença de Deus no profundo da alma, por um lado a perturbava, por outro, a atraía em maneira irresistível.
que Santa se deixou envolver... [Cristo Pantokrator - Catedral de Monreale, Palermo] |
Daqui nasce uma “luta interior” com fases alternadas, de serenidade e doçura, de aridez, desolação e também de revolta, de interrogativos e conquistas graduais, tomada de consciência, luta que se torna sempre mais intensa mas que sempre mais desemboca na alegria e na crescente gratidão para com o Senhor, que demonstra nos amar por primeiro e sem reservas: um entusiasmo que explode espontaneamente como noMagnificat de Maria: "Porque o Todo-poderoso fez em mim grandes coisas, o seu nome é santo!..."
Assim escreve Santa Scorese no dia 30 de dezembro de 1988: “Senhor, estou diante de Você, da sua potência e do seu imenso amor. Obrigada! [...]
Você chamou-me e eu respondi e agora vejo as coisas grandes que fez e faz em mim a cada dia. Sem que eu perceba Você está entrando sempre mais dentro de mim e, quando a minha alma é árida, busca a Você para reencontrar a vida. [...]
Faça com que eu seja capaz de amar, de ter sempre um coração aberto a 360 graus para viver por Você Ti e pelo mundo.
Revendo tudo aquilo que fez em mim, deixe-me cantar o meu Magnificat e com Maria encaminhar-me na estrada que conduz à vida que não tem fim!”(1)..
Por outro lado o Senhor – que “propõe” e toma a iniciativa (é este o sentido da palavra “vocação” em sentido amplo) – quando encontra em nós uma sincera disponibilidade, não deseja que vir ao nosso encontro e nos unir a Si em maneira sempre mais íntima, como exprimem as Escrituras quando se diz que a Sabedoria "é facilmente contemplada por aqueles que a amam, e encontrada pelos que a buscam."E acrescenta que quem a deseja de todo o coração “a encontrará sentada à sua porta”! (Sap. 6, 12-14).
Na verdade o Senhor, como Santa Scorese exprimiu tantas vezes nas páginas do seu Diário e na esplêndida poesia-oração “Gostaria de ter as asas de uma águia...” (2), aos poucos a elevava a horizontes mais vastos, à medida que ela se abria generosamente à Sua ação; e isso “provocava” Santa, impunha-lhe decisões concretas – pequenas ou grandes – na vida de cada dia, com um desejo crescente de atrair outras pessoas ao Amor que recebia do Senhor.
Por outro lado, é característico do Amor o querer expandir-se e comunicar-se: a própria criação, do universo e de cada um de nós, tem essa explicação.E Jesus – grande “Artista das almas” como é – favoreceu o seu amadurecimento humano e espiritual, colocando ao seu lado, em maneira providencial, pessoas e movimentos que lhe davam gradativamente os estímulos adequados e que a empenhavam em iniciativas concretas e comunitárias de caridade cristã e de evangelização.
Influxos espirituais
Das páginas do seu diário emerge claramente o forte e positivo influxo exercitado em Santa Scorese por parte do Movimento dos Focolares de Chiara Lubich e, sobretudo, das “Missionárias da Imaculada – Padre Kolbe”, das quais fazia parte (como faz parte atualmente Carmencita Picaro, autora da biografia de Santa, biografia muito acreditável já que uma grande amizade as unia.
com os seus pais e a sua irmã Rosamaria |
No que diz respeito ao contributo recebido por parte do movimento de Chiara Lubich, basta observar como no seu diário é citado com muita frequência o nome de Chiara, bem como tantos termos característicos do movimento dos focolares por ela fundado. São expressões e “palavras-chaves” – frequentemente abreviadas como é em uso no movimento – tais como: “Jesus em meio” (G.I.M.), “Ideal”, “Jesus Abandonado” (G.A.), “unidade”, entre outras.
Dois exemplos: “ Vi a dor dos outros, mas foi para mim uma ocasião para me fazer um com eles, como nos disse Chiara no último collegamento...” * ( 11 de março de 1987).
Chiara diz que quando erramos é inútil lamentar-nos, mas que devemos recomeçar logo a amar. [...] Este período é repleto de dores e de ânsias e, às vezes eu me sinto realmente abandonada, mas procuro, o mais que posso, reconhecer Jesus Abandonado e amá-lo profundamente mesmo se não é muito fácil (2 de junho de 1987).
No movimento dos focolares são fundamentais os grupos “Gen” (Geração Nova), dirigidos aos jovens. Santa Scorese frequentava o grupo gen da sua cidade e, por causa da sua bela voz, fazia parte do grupo musical “Gen 2”. Assim escreve no dia 15 de julho de 1987:
"Eu conto muito com a unidade das outras gen e de todos os gen: o importante e ter Jesus em meio. Na verdade não vejo a hora de revê-los para poder estabelecer de novo aquela unidade fortíssima que existe."
O outro influxo importante na vida espiritual de Santa Scorese é o das “Missionárias da Imaculada – Padre Kolbe”, movimento fundado por Pe. Luigi Faccenda, um influxo que com o tempo torna-se sempre mais decisivo. Muitas vezes Santa partia de Palo del Colle, perto da cidade de Bari, onde a sua família tinha se transferido, para fazer retiros espirituais na sede central das Missionárias, situada em Borgonuovo di Pontecchio Marconi, na província de Bolonha.
A robusta espiritualidade Mariana, comum aos dois movimentos, permeou este seu caminho. Santa ficou fascinada em maneira muito forte pelo grande Santo em que as “Missionárias da Imaculada” se inspiram: S. Massimiliano Maria Kolbe, ao qual a Virgem Maria tinha dado a graça (referimo-nos a um célebre episódio da vida de Kolbe) seja da consagração virginal, seja do testemunho através do martírio.
Martírio ditado pela caridade: uma luz de Céu na miséria daquela maldade humana planificada que eram os campos de concentração, como aquele de Auschwitz onde Padre Kolbe ofereceu a sua vida no lugar de um pobre pai de família, sabendo muito bem o que o esperava, mas com a certeza que o Senhor lhe teria dado a força para testemunhar a sua Fé e exercitar a sua caridade até o último respiro.
Padre Kolbe exprime-se assim a propósito do papel e da intenção de Maria com relação a cada um de nós: “A Imaculada deseja estender a toda a humanidade os frutos da redenção operada pelo seu Filho. [...] O único desejo da Imaculada é elevar o nível da nossa vida espiritual até o cume da santidade (3).
Deus ama também manifestar-se como o Senhor da vida – e de preferência – nas situações mais desoladoras e repugnantes. Kolbe ofereceu a sua vida em 1941 e, no ano seguinte, em 9 de agosto de 1942, será a vez de uma outra grande maravilha da obra de Deus nas almas: a esplêndida figura de Edith Stein, “hebréia, filósofa, carmelita e mártir”, como a definiu João Paulo II que recentemente a canonizou.
Progressiva disponibilidade ao “projeto de Deus”
Como dissemos antes, o Senhor ajudou o discernimento de Santa Scorese também através da presença afetuosa e forte do seu padre espiritual, Pe. Luigi Faccenda, e de várias “Missionárias da Imaculada - Pe. Kolbe”, sobretudo daquela que Santa considerava um grande dom do Céu, Carmencita Picaro, com a qual tinha uma verdadeira sintonia espiritual que lhe dava serenidade e, ao mesmo tempo, o estímulo a não parar, mas ir em frente no seu “Sim” sempre mais generoso ao Senhor.
Muitas vezes Santa agradeceu ao Senhor por esta amizade. Frequentemente abria a sua alma com Carmencita, seja nos momentos de crise, mas também quando sentia a alegria de ter descoberto algo mais de quanto fosse grande o amor do Senhor e de Maria por ela.
Juntamente com os sacerdotes que dirigiram espiritualmente Santa, com certeza Carmencita Picaro contribuiu em modo particular para que ela se abrisse com uma confiança sempre maior à ação de Deus, e assim imitasse a disponibilidade de Maria: “ Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.” (Lc 1, 38).
Isso não era sempre fácil pois Santa compartilhava os limites e a fragilidade típicos de tantos jovens do nosso tempo: o risco de dispersão, o condicionamento devido à forte pressão dos meios de comunicação de massa com seus modelos “falsos e mentirosos”, baseados na exterioridade, na “aparência”, que frequentemente provocam exaltações frívolas e sucessivas depressões... a dificuldade de tomar decisões importantes e radicais – não obstante a radicalidade seja uma característica da alma juvenil – o relacionamento quase sempre difícil entre os coetâneos e assim por diante...
Carmencita Pícaro, depois da trágica morte de Santa, do martírio sofrido para defender a sua dignidade de mulher e de cristã, escreveu a sua biografia. Entre os muitos trechos presentes no Diário que dizem respeito ao papel de Carmencita no processo de maturação espiritual e humana de Santa, é significativo aquele escrito em 6 de fevereiro de 1988:
"Depois do almoço bati um papo com a Carmencita, que serviu para completar o que eu já tinha começado a dizer ao padre. Quando conversamos há sempre entre nós uma comunhão de almas muito profunda e sente-se que se estamos ali a falar é porque, do ponto de vista humano, nos queremos bem e procuramos nos ajudar, mas é sobretudo porque em nós duas uma coisa é muito clara: Deus é o que conta e ir ao Seu encontro é o que nos interessa.”."
Foto: Ernesto Santucci s.j. |
Mas, como escreveu a “pequena-grande” S. Teresa de Lisieux (1873-1897), Santa Scorese também poderia ter dito que o seu verdadeiro “Diretor Espiritual” foi o próprio Jesus: eram fundamentais os seus encontros-colóquios com Jesus Eucaristia e, além disso,ela se nutria com abundância da Palavra de Deus revelada nas Escrituras.
De fato, como justamente evidenciou o professor Giuseppe Micunco, organizador dos escritos espirituais de Santa, praticamente todas as páginas do seu Diário contêm frequentes citações – diretas ou indiretas – de passagens precisas da Sagrada Escritura, seja do Novo que do Antigo Testamento. Contínuas e espontâneas referências, uma prova evidente de como era grande a familiaridade de Santa Scorese com a Bíblia Sagrada, através da qual Deus se revelava a ela como Pai, como Amor, Redentor e Amigo.
Esta assiduidade com relação à Palavra de Deus é um elemento fundamental que explica a intensidade da sua vida cristã e que nos leva a pensar às célebres páginas da “História de uma alma” da já citada Teresa de Lisieux. Em Santa Scorese a força da Palavra de Deus, unida ao seu caráter franco e aberto, transformava-se frequentemente em um testemunho aberto do seu ser cristã, em todas as ocasiões propícias, mesmo quando sabia que este seu comportamento a teria exposto a críticas e preconceitos.
Se lermos os escritos de Santa Scorese, o Diario, as poesias-orações, que nos permitem de conhecer profundamente a sua vida humana e espiritual, não podemos não acolher totalmente aquilo que o postulador da sua Causa de Beatificação, padre Vito Bitetto, exprimiu no final da sua comunicação feita durante a abertura do processo canônico em Roma, iniciado logo depois da conclusão do processo diocesano.
Ele auspica que o Senhor , concedendo como se espera que Santa seja proclamada Beata, possa iluminar e ajudar “todos aqueles que desejam progredir na vida interior e eclesial, e não somente os consagrados, os sacerdotes, mas também os cristãos leigos, em particular os jovens e os educadores, que poderão ver na radicalidade da consagração ao amor de Deus desta jovem da nossa terra, um modelo extraordinário e fascinante. A vida que Santa doou por amor do Senhor possa assim ser a semente de uma nova santidade" (4).
Omartirio, epílogo de um intenso caminho espiritual.
Muitas vezes, o trágico fim de Santa Scorese foi espontaneamente comparado àquele de Santa Maria Goretti: a “flor do pântano”, dos desoladores pântanos da região Pontina *. Estamos comemorando o centenário do martírio de Maria Goretti: 6 de julho de 1902 –2002, e isso chamou a atenção à sua figura, frequentemente não valorizada ou até mesmo menosprezada através da infeliz afirmação: Santa dos cinco minutos..."
Sabemos, porém, que não é bem assim, e que para Maria Goretti o martírio foi somente o ato supremo de uma vida que - apesar da sua pouca idade – já era impregnada de Cristo, de uma total confiança n’Ele e na Virgem Maria.
Os contextos são muito diferentes, seja do ponto de vista familiar, seja a nível cultural e religioso, muitas décadas as separam, mas de Santa também podemos afirmar que o seu martírio, a violenta mortal agressão sofrida no dia 15 de março de 1991, não foi que o último ato de uma jovem vida já completamente entregue ao Senhor e a Maria.
"Aimer c'est tout donner et se donner soi-même": “ Amar é doar tudo e doar a si mesmo” escrevia Santa Teresa de Lisieux. Isso é possível e se torna a motivação espontânea da alma, quando se percebe o quanto seja grande o amor de Deus por cada um de nós.
"Descobri uma coisa: que Deus é realmente a única certeza inabalável da vida de cada um de nós. Sinto que agora, muito embora dentro de mim haja uma grande agitação, a Sua presença doa tranquilidade e confiança, confiança no fato que eu não estou sozinha, que Ele me ama apesar de tudo, apesar dos meus limites, e sinto também a necessidade de escolhê-lo novamente a cada dia como a coisa mais importante para mim, pela qual vale a pena lutar, sofrer e morrer." |
Santa Scorese experimentou isso com estupor e gratidão crescentes, um caminho feito de lutas interiores, de altos e baixos, de impulsos totalitários como resposta espontânea dela – pequena criatura – ao Criador, com um forte e contínuo recorrer à Maria Imaculada, pedindo-lhe a sua intercessão para obter do Senhor a força para superar os próprios “apegos”, para convencer os seus pais a deixarem-na partir, pedindo a luz sobre o tipo de estudo a seguir na universidade, numa ânsia de doar-se aos outros em que se adverte quase uma “premunição” de não ter muito tempo diante de si...
Pediu também ao Senhor – e obteve – a força para ir em frente quando teve início a diabólica perseguição por parte daquele jovem que via nela um simples “objeto de consumo”, uma presa por capturar a custe o que custar, e que pôs fim à sua vida com a violenta agressão do dia 15 de março de 1991...
Um comportamento que infelizmente encontramos sempre com mais frequência nas notícias de jornal, e portanto Santa Scorese – que esperamos que seja beatificada o mais rápido possível – regata muitas mulheres, das quais a dignidade humana diariamente é desrespeitada sem nenhum escrúpulo, em modos sútis e refinados ou em maniera notória.. Dignidade das criaturas e filhas de Deus, embasada – como para cada ser humano - no fato de termos sido criados “à Sua imagem e semelhança”.
Este é o sentido da frase com a qual Carmencita Picaro conclui o capítulo da agressão sofrida por Santa em 15 de março de 1991:
“Concluía-se, assim, com esta última página, o pequeno livro da vida de Santa, uma jovem que como tantas outras nestes anos padeceu em seu corpo as feridas provocadas por uma sociedade inquieta e sofredora, ávida de coisas mas não de vida, de sexo mas não de amor, de mundo mas não de Deus!" (5)
Luzde Esperança
A Fé abre-nos à Esperança, fundamentada na Ressurreição de Jesus nosso Redentor mas também nosso grande Amigo. Santa Scorese já alcançou a plenitude de vida tanto almejada e buscada em modo tenaz no decorrer da sua peregrinação terrena, e agora está no Céu, unida ao Senhor e à Imaculada por toda a eternidade, e pode exercitar em maneira ainda maior e generosa a sua caridade por nós, já que – tendo a Igreja declarado Santa “Serva de Deus” – podemos invocá-la para que nos ajude nas nossas necessidades temporais e espirituais.
A vida de Santa Scorese conheceu, como sabemos, também períodos difíceis, mas constatamos como o Senhor, através dela, esteja operando verdadeiros prodígios de graças em tantas almas que lutam pela verdade e também esteja valorizando tudo aquilo que lhe tinha inspirado de escrever no seu diário, seja quando Santa se sentia circundada por tantas dificuldades, seja nas páginas em que exprimia a sua alegria de sentir-se amada por Ele.
Há uma frase particularmente profunda e inspirada no Diário de 21 de fevereiro de 1990, escrita, portanto, menos de um ano antes da conclusão da sua jovem vida. Podemos, desde já,agradecer-lhe por estas suas palavras e fazer com que se tornem nossas:
“ Eu sei que Deus está escrevendo a minha história e, apesar dos obstáculos que eu lhe imponho, conseguirá terminá-la. Agora sei que mesmo na dor ou na escuridão posso cantar-Lhe, como Maria, o meu “Magnificat” pelas coisas que fez e continuará a fazer em mim.
Noto que, se eu não tivesse descoberto e conhecido a Imaculada, não teria entendido a grandeza de Deus e a Sua onipotência!”
Notas:
1. "L'attirerò a me", Escritos espirituais de Santa Scorese, Serva de Deus, org. pelo Prof. Giuseppe Micunco, Ed. San Marino e Stilo Editrice, Bari, 2000, pp.144-145.
2. "Vorrei avere le ali di un'aquila", escrita por Santa Scorese em 3 de agosto de 1989 e referida neste site. Texto extraído da biografia de Santa Scorese escrita por Carmencita Picaro: "Anche sul mare volano le aquile", Ediz. Missionarie dell'Immacolata - Padre Kolbe, Bologna 1999, pp.41-42.
3. "Anche sul mare volano le aquile", Op.cit., p.62.
4. "L'attirerò a me", Op.cit., pag.8.
5. "Anche sul mare volano le aquile", Op.cit., p.13.
"Orizzonti dello Spirito" |